Décadas de parceria institucional reforçam a cultura como dimensão estratégica do conhecimento na Universidade
Marcelo Cardoso
Participantes da Folia do Mártir São Sebastião de Fidalgo de Pedro Leopoldo/MG.
Registro do primeiro projeto de cultura apoiado pela Fundep. Foto: Élcio Machado. Junho, 1979.
Índice
Em 1976, a Fundação de Apoio da UFMG (Fundep) assinava o apoio ao seu primeiro projeto cultural: o levantamento das Manifestações Etnomusicais da Região da Grande Belo Horizonte. Coordenada pelo pesquisador José Adolfo Moura, então professor da Escola de Belas Artes da UFMG, a iniciativa, que era pioneira em Minas Gerais, tinha como objetivo registrar expressões musicais de comunidades urbanas e rurais em meio às intensas transformações sociais da época.
Foram mais de 100 entrevistas numa pesquisa que percorreu 13 municípios da região metropolitana e revelou um universo sonoro simbólico – como reinados, folias de reis, congados, cantigas de candomblé, charolas, encomendação de almas, motetos, ladainhas, cantos de roda, serestas e sambas. Além disso, documentou práticas sociais de comunidades que resistiam às mudanças impostas pela migração rural e a urbanização acelerada, que ameaçavam apagar tradições culturais profundamente enraizadas.
“Nos municípios pesquisados, convivem tradições que vêm desde o período colonial, comunidades formadas por antigos escravizados e populações que ainda preservam costumes do Brasil rural. Essa diversidade se reflete diretamente nas manifestações musicais. Ao longo da pesquisa, pudemos confirmar que a música é um elemento essencial para manter vivas essas raízes culturais.”
– Trecho extraído do relatório final apresentado à Fundep em junho de 1979.
O objetivo era gerar material para a exposição no Museu do Homem, projeto de autoria da Fundep que reunia nomes como Oscar Niemeyer e Darcy Ribeiro e que foi inviabilizado pela queda de recursos destinados às universidades no final da década de 1980. Disponibilizado à Escola de Belas Artes (EBA), o material acabou sendo utilizado por um grupo que nascia na instituição e mais tarde teria renome internacional: a partir dele, o grupo Giramundo, organizado pelo professor Álvaro Apocalypse criou o Auto das Pastorinhas, representação teatral em que os bonecos cantam e dançam diante do presépio para celebrar o Natal.
50 anos de apoio: a trajetória das fundações no desenvolvimento da cultura universitária
Espaço do Conhecimento da UFMG. Foto: Divulgação/UFMG.
Desde sua criação, a Fundep compreendeu que ações culturais também constituem formas legítimas de pesquisa, extensão e transformação social, e deu suporte para que a UFMG começasse a formular uma visão de universidade comprometida com a cultura como dimensão estratégica do conhecimento.
Nesse movimento, a Fundep foi mobilizada para dar sustentação a ações voltadas à produção artística, à preservação da memória e do patrimônio e à valorização dos saberes populares. Quando, na década de 1990, a UFMG assumiu a Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade (FRMFA), a Fundep foi acionada para dar suporte à instituição que, na década de 2020, também se tornou uma fundação de apoio, entretanto, dedicada exclusivamente à cultura.
Assim, sempre atendendo às demandas formuladas pela UFMG, a trajetória da Fundep acompanha o movimento nacional de institucionalização da cultura nas Instituições Públicas de Ensino Superior (Ipes). De acordo com o professor Fernando Mencarelli, pró-Reitor de Cultura da UFMG (ProCult), cerca de 300 universidades e institutos federais desenvolvem ações culturais em quase mil municípios do país. “Estamos diante de um novo modelo de governança cultural, no qual as políticas culturais passam a integrar os Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI) das universidades e dão origem a planos de cultura próprios”, explica o professor.
Fernando Mencarelli, pró-Reitor de Cultura da UFMG Foto: Divulgação/Fundep.
Na interação da UFMG com a sociedade, a Fundep tem desempenhado um importante papel no apoio a programas e projetos que promovem a articulação da universidade com outras instituições e órgãos que atuam em diversas áreas da cultura. Essa parceria se intensificou a partir de 1997, quando a Universidade assumiu o controle institucional da FRMFA, criada em 1986 para colaborar na preservação do patrimônio da cidade de Tiradentes. Desde então, a FRMFA conta com apoio administrativo e financeiro da Fundep em suas ações de promoção cultural que vão muito além do território da cidade histórica mineira.
“Enquanto a FRMFA aporta conhecimento e sensibilidade cultural, a Fundep garante solidez administrativa e técnica. Ela nos ajudou a atravessar diferentes momentos, desde a reestruturação estatutária até o recente credenciamento como fundação de apoio à cultura da UFMG, em 2022″, conta Pedro Amaral, professor do departamento de Ciências Econômicas da UFMG e presidente da Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade.
Fachada do Museu Casa Padre Toledo. O imóvel integra o Campus Cultural UFMG, em Tiradentes,
e abriga arquivos referentes à Inconfidência Mineira. Foto: Acervo/FRMFA.
O credenciamento da FRMFA como fundação de apoio à cultura ocorreu em um cenário adverso para o setor. Entre 2019 e 2022, o Ministério da Cultura foi extinto e os recursos federais da área sofreram cortes expressivos — com retração de até 63% em relação a 2018, segundo levantamento da Revista Piauí divulgado no último mês do governo Bolsonaro. O cenário limitou o financiamento de projetos culturais, impondo desafios críticos à FRMFA durante a sua reestruturação. Nesse contexto, a Fundep desempenhou papel essencial para garantir a continuidade da FRMFA.
“A Fundep funcionou como uma âncora de sustentação. Foram repasses emergenciais, suporte administrativo e articulação institucional que nos permitiram manter a operação da fundação e seguir com nossas atividades-fim”, relata Amaral.
A parceria entre as fundações se manifesta em projetos estratégicos e de alta complexidade, como o Espaço do Conhecimento UFMG, um museu interativo que integra o Circuito Liberdade e promove a convergência entre saberes acadêmicos e populares. O espaço abriga o primeiro planetário de Minas Gerais e o mais moderno do País, cujo projeto de importação esteve sob responsabilidade da Fundep e envolveu desde visitas técnicas ao fabricante na Alemanha até a escolha da melhor alternativa de transporte até a capital.
Planetário do Espaço do Conhecimento da UFMG foi importado e instalado pela Fundep. Foto: Divulgação/UFMG.
Fundep e o marco regulatório do fomento à cultura
A recente aprovação da Lei 14.903, de junho de 2024, que institui o Marco Regulatório do Fomento à Cultura, representa uma mudança significativa na forma como projetos culturais são financiados e geridos no Brasil. A nova legislação estabelece instrumentos específicos para o fomento direto e indireto à cultura, como os termos de execução, premiação, bolsa, ocupação e cooperação cultural, substituindo a lógica da licitação por mecanismos mais adequados à natureza dos projetos culturais. A comprovação da realização dos projetos passa a ser o principal critério de prestação de contas, o que confere maior agilidade e segurança jurídica às iniciativas.
Em junho de 2024, o presidente Lula sancionou o Projeto de Lei que introduz regras e instrumentos mais eficientes para os gestores públicos, além de democratizar o acesso às políticas culturais, especialmente para agentes das periferias e das culturas tradicionais, negras e indígenas. Foto: Ministério da Cultura/Divulgação.
Esse novo cenário impacta diretamente as fundações de apoio, que passam a ter papel ainda mais relevante na execução de políticas culturais. “A Fundep, com sua experiência acumulada na gestão de projetos culturais da UFMG, está plenamente apta a operar dentro das novas diretrizes legais. Sua atuação em projetos financiados por leis de incentivo, emendas parlamentares, editais públicos e convênios com órgãos governamentais já dialoga com os princípios estabelecidos pelo novo marco regulatório”, reforça Mencarelli.
Além disso, a Fundep está inserida em um contexto de expansão da economia criativa no país. Segundo dados da Fundação Itaú, o setor representa 3,11% do PIB nacional e emprega cerca de 7 milhões de trabalhadores. Entre 2012 e 2020, a economia da cultura cresceu 78%, consolidando-se como vetor estratégico de desenvolvimento. A Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), em vigor até 2027, prevê repasses anuais de R$ 3 bilhões da União para estados e municípios, ampliando as possibilidades de financiamento e execução de projetos culturais em todo o território nacional.
Edição: Tacyana Arce
Edição web: Marcelo Cardoso


