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Há 20 anos, a UFMG tornava o nano visível

Construído do zero com o suporte da Fundep, Centro de Microscopia da UFMG é referência na América Latina e abriga tecnologias de ponta para investigar o mundo em escala nanométrica.

Maria Carolina Martins

Professor Gregory Thomas Kitten, diretor do Centro de Microscopia da UFMG. Foto: Marcelo Cardoso/Fundep.

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No subsolo de uma instalação, uma estrutura desafia as expectativas convencionais da engenharia. Uma caixa de concreto, posicionada abaixo do nível do piso e sustentada por pilastras que se estendem a 30 metros de profundidade em uma base de areia seca tem sistema de climatização que dispensa o uso de ar-condicionado tradicional em favor da refrigeração por água gelada circulando no teto. À primeira vista, a robustez e a profundidade da construção poderiam sugerir a finalidade de proteger um objeto de grandes proporções ou de peso considerável. No entanto, o propósito real desta estrutura é precisamente o oposto: ela foi concebida para abrigar um equipamento capaz de analisar um elemento mil vezes menor que um grão de areia.

Assim é uma das salas do Centro de Microscopia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No ambiente descrito, um microscópio é capaz de gerar imagens de alta resolução de objetos com nanômetros de tamanho, ou seja, pelo menos um bilhão de vezes menores que um metro. Para capturar essa imagem, a estrutura precisa ser à prova de qualquer vibração, mesmo as imperceptíveis aos sentidos. Garantir tecnologia e equipamentos para edificar e estruturar o centro foi o que coube à Fundep no nascimento daquele que viria a ser um dos mais importantes centros de microscopia da América Latina.

Inauguração do Centro de Microscopia. Na foto, o reitor Ronaldo Pena e a vice Heloísa Starling,
a reitora Ana Lúcia Gazzola e o vice Marcos Borato (gestão 2002-2006).

Centro de Microscopia como solução para desenvolvimento da pesquisa na UFMG

A ideia de dotar a UFMG de Centro de Microscopia começou a tomar forma diante de uma lacuna: embora a Universidade contasse com microscópios e microssondas eletrônicas dispersos em diferentes departamentos, a resolução desses equipamentos era insuficiente para atender às crescentes demandas de pesquisa. “Naquela época, nossos microscópios eram capazes de analisar células, o que supria as necessidades de algumas áreas, mas não conseguíamos ir além”, relembra a professora Elizabeth Ribeiro, diretora da Fundep e participante da equipe de implantação do Centro.

Desde 1959, quando o físico teórico e ganhador do Nobel, Richard Feynman, proferiu a palestra intitulada Há muito espaço no fundo, apregoando uma visão do futuro no qual os cientistas seriam capazes de manipular átomos e moléculas individualmente, cientistas buscavam a forma de olhar para os elementos de tal maneira diminutos que nem mesmo sua escala era conhecida.  autor de Engines of Creation: The Coming Era of Nanotechnology.

Pouco mais de 10 anos depois, as professoras Elizabeth Ribeiro, do Instituto de Ciências Biológicas, e Karla Balzuwit, do Departamento de Física da UFMG começaram a discutir a necessidade de um microscópio de transmissão de alta resolução, o que rapidamente atraiu o interesse de pesquisadores de diversas unidades da UFMG, como Veterinária, Engenharia e Odontologia.

Em 2002, a proposta foi apresentada à então pró-reitora de Graduação, professora Maria Sueli de Oliveira, e ao pró-reitor de pesquisa, professor José Aurélio Bergman. A ideia foi bem recebida, e o grupo foi incentivado a formalizar um projeto. Para garantir o apoio institucional, os professores visitaram diversas unidades da UFMG, buscando cartas de apoio dos diretores, um passo crucial para a aquisição de um equipamento de alto custo.

Com as cartas de apoio em mãos, a proposta foi levada à Reitora e aos demais pró-reitores. O resultado foi um compromisso de que no próximo edital da Financiadora de Projetos (Finep) a UFMG apresentaria a proposta que garantiria fundos para a aquisição.

Do conceito à construção: uma jornada de inovação

Centro de Microscopia da UFMG. Foto: Divulgação.

Com área de 1.064 m2, o edifício do Centro de Microscopia é resultado de um planejamento físico minucioso. Sua localização, na parte extrema do quarteirão 10 do campus Pampulha, por exemplo, só foi decidida após medição dos níveis de vibração mecânica e de campo eletromagnético em diversas áreas do campus.

“Quando começamos a discutir a necessidade de um local para abrigar equipamentos tão sensíveis percebemos que nenhuma estrutura já existente na UFMG ofereceria o isolamento necessário”, explica a professora Elizabeth Ribeiro. “Era preciso um ambiente completamente livre de interferências externas, como a vibração causada por veículos ou mesmo pessoas caminhando”, explica. Para isso, foram realizadas sondagens e medições rigorosas de vibração em diversas áreas do campus que poderiam ser adequadas.

De acordo com o professor Wagner Nunes Rodrigues, diretor do Centro de Microscopia, o edifício foi projetado com uma meticulosa atenção aos detalhes, visando oferecer um ambiente de pesquisa com diferenciais únicos. “Para impedir a vibração, o prédio incorpora fundações especiais, com alicerces independentes para cada laboratório e bases de 20 toneladas de concreto maciço para os microscópios de alta resolução, isoladas por caixas de areia. A fiação elétrica, outro ponto crítico para evitar campos magnéticos, foi instalada de forma estratégica, entrando diretamente por trás de cada equipamento”, explica.

A estabilidade operacional é assegurada por um robusto sistema de energia, que inclui um no break a bateria de 130 KVA e um gerador a diesel de 230 KVA, complementados por um reservatório de 1 mil litros de óleo diesel. Essa autonomia permite que o centro funcione por longos períodos em caso de falta de energia, destaca Wagner Nunes. Completando o cenário de alta precisão, o sistema de climatização utiliza refrigeração por água gelada circulando no teto, dispensando o ar-condicionado tradicional e garantindo um controle térmico ideal para os delicados equipamentos.

Apoio à gestão da construção aparelhamento do Centro coube à Fundep

Microscópio Eletrônico de Transmissão – Tecnai G2-12 Spirit Biotwin 120kV – Thermo Fisher/FEI. Foto: Marcelo Cardoso/Fundep.

Coube aos pesquisadores visitar centros de microscopia nos Estados Unidos, Europa e Japão para compreender as necessidades arquitetônicas e de engenharia e também as especificações técnicas dos equipamentos para implantação de um centro de excelência. E à equipe Fundep, coube a missão de levantar todo o tipo de informação e uma exclusiva lista de fornecedores para garantir a concretização do empreendimento.

Guilherme Matos, coordenador do setor de Importação da Fundep, que à época era um dos analistas responsáveis pelo projeto de construção do prédio, lembrou que foi necessário estabelecer uma agenda de reuniões entre os pesquisadores envolvidos, especialistas técnicos e representantes da Fundação para garantir o alinhamento e contemplar as necessidades do projeto. “A Fundação teve um papel fundamental na mediação com fornecedores, no suporte à gestão dos recursos e na formalização dos processos necessários para a aquisição dos equipamentos”, afirmou.

A aquisição de equipamentos de alto valor é uma constante na trajetória de duas décadas do centro. Além disso, há um volume significativo de chamados de manutenção desses equipamentos, incluindo a necessidade de peças de reposição. “A Fundep desempenha esse papel até hoje, garantindo que as demandas de manutenção e atualização dos equipamentos possam ser atendidas sem comprometer o funcionamento contínuo do centro”, finaliza Guilherme.

Um Centro com ampla visão de atuação

Atualmente estão registrados como usuários 500 pesquisadores, 900 alunos
de instituições de todo o País e 50 empresas. Foto: Marcelo Cardoso/Fundep.

O Centro se destaca por sua amplitude de atuação, um diferencial em relação a outros centros que geralmente se especializam em apenas uma área. “Desde a sua concepção, o Centro foi imaginado para atender a todas as áreas do conhecimento”, afirma a professora Elizabeth. “Seja em mineração, no estudo de vírus, na restauração de dentes, no desenvolvimento de próteses ou na análise de nanoestruturas, nosso objetivo sempre foi ser uma referência por nossa capacidade de apoiar pesquisas tão diversas.”

Ao longo dos anos, o Centro consolidou um corpo técnico altamente qualificado, o que eleva ainda mais sua capacidade de atendimento. Além de servir à comunidade da UFMG, o Centro de Microscopia é hoje uma referência para outras instituições de ensino e pesquisa no Brasil e em toda a América Latina.

Atualmente estão registrados como usuários 500 pesquisadores, 900 alunos de instituições de todo o País e 50 empresas, especialmente nas áreas de mineração e metalurgia, siderúrgicas, indústrias do setor de microeletrônica, de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia, de transformação de bens de consumo, hospitais e laboratórios de análises.

Fundep e Centro de Microscopia: uma colaboração de mais de décadas

A parceria entre a Fundep e o Centro de Microscopia é uma relação que se consolidou ao longo de mais de 20 anos. Guilherme Matos ressalta a importância dessa longevidade: “A maior gratificação e a principal contribuição do meu trabalho nesse projeto, especificamente no setor de importação, não se limitam às complexidades enfrentadas, mas estão na construção de um relacionamento que vai além da simples prestação de serviço. Esse vínculo profundo possibilitou à equipe da Fundep não apenas entender as necessidades e urgências do centro, mas também oferecer soluções de maneira proativa”.

A professora Elizabeth Ribeiro também destaca a relevância estratégica do projeto tanto para a Universidade quanto para a Fundep. Segundo ela, a parceria consolidada ao longo desses 20 anos demonstra o compromisso com a ciência e a inovação: “Desde o início, sabíamos que estávamos construindo algo que transformaria a capacidade de pesquisa da UFMG. Ao celebrar os 50 anos da Fundep, é impossível não destacar seu papel fundamental nesse processo, viabilizando desde os investimentos iniciais até o suporte contínuo necessário para manter o centro operando com excelência.”

Professora Elizabeth Ribeiro, do Instituto de Ciências Biológicas
da UFMG e diretora da Fundep. Foto: Acervo/Fundep.

Guilherme Matos, gerente de importação da Fundep. Foto: Acervo/Fundep.

20 anos de conquistas e avanços científicos

Partículas do Tupanvírus, o maior e mais complexo vírus isolado na virosfera

Entre os marcos científicos associados ao Centro de Microscopia, está a descoberta do tupanvírus, maior e mais complexo vírus já descrito. A imagem obtida por microscopia eletrônica de varredura foi selecionada pela revista Nature como uma das melhores fotografias científicas de 2018. O trabalho foi coordenado pelo professor Jônatas Abrahão, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), com preparação de amostras feita pela pesquisadora Thalita Arantes e captura da imagem pelo microscopista Breno Barbosa Moreira, servidor da UFMG. “Foi uma conquista não só da UFMG, mas do Brasil”, afirma Abrahão, destacando a repercussão internacional do estudo publicado na revista Nature Communications.

A excelência técnica do centro também foi reconhecida em 2020, quando outro estudo liderado pelo professor Abrahão ganhou destaque internacional: a descoberta do Yaravirus brasiliensis, classificada entre as pesquisas mais relevantes do ano pela equipe editorial da revista Science. O vírus, encontrado na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, chamou atenção pela originalidade de seus genes, a maioria sem qualquer correspondência com sequências já conhecidas, e por aportar novas hipóteses sobre a evolução dos vírus.

Edição: Tacyana Arce
Edição web: Marcelo Cardoso