Com apoio Fundep, projeto de pesquisa se tornou programa de saúde pública que é modelo no Brasil e no exterior. Em 20 anos de existência, Centro de Telessaúde do HC-UFMG atende populações de áreas remotas em 1.666 municípios de 14 estados
Ney Felipe e Roberta Araújo
O Centro de Telessaúde é ligado ao Hospital das Clínicas da UFMG e fornece serviços e desenvolver pesquisas no campo da telessaúde, com ênfase na teleassistência. Foto: Divulgação/Centro de Telessaúde.
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O dia ainda nem amanheceu, mas as equipes de Saúde da Família das unidades básicas fluviais do Acre já percorrem os rios do estado. De origem indígena, um dos moradores visitados naquele dia é encontrado hipertenso e encaminhado para a realização de um eletrocardiograma em uma Unidade Básica de Saúde Ribeirinha. Ali não há médico cardiologista, mas não é necessário. A 3,4 mil quilômetros de distância, os dados são analisados de maneira remota por especialistas em cardiologia, em um processo revolucionário que leva agilidade e acesso à saúde a populações com realidades geográficas e socioeconômicas desafiadoras.
Idealizado pelo Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, o projeto surpreende por não exigir tecnologia robusta: um software simples, compatível com o fornecimento de internet de baixa velocidade. Originado de um projeto de pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG, há 20 anos, e desde então com apoio Fundep, o telessaúde é um programa de saúde pública modelo no Brasil e no exterior.
Antes da adoção do modelo, a realidade do paciente cardíaco do Acre e de outras regiões era bem diferente. A espera por uma simples consulta com um médico especialista podia variar de meses a anos, dependendo da região. O eletrocardiograma, não raro, seria feito a até centenas de quilômetros distante de casa. Após o exame, uma nova fila, desta vez, pela espera do laudo que resultaria no diagnóstico.
A lentidão do processo torna doenças cardiovasculares a principal causa de morte no Brasil e no mundo. O eletrocardiograma tem alta demanda e grande relevância para reverter essa realidade, porque serve para diagnóstico, controle e pré-operatório cirúrgico.
Implantação da Oferta Nacional de Telediagnóstico no Acre, em 2017. Foto: Divulgação/Centro de Telessaúde.
Duas décadas integrando tecnologia, pesquisa e SUS para ampliar assistência no Brasil profundo
“Penetramos no Brasil profundo, nos sertões de Minas, nas populações ribeirinhas das cidades mais pobres de Pernambuco, da Bahia. Levamos o nome da Universidade para locais distantes, oferecendo, por meio da tecnologia, serviços de saúde de qualidade para pessoas que precisam”, reforçou o coordenador de Projetos do CTS, Antonio Luiz “Tom” Pinho Ribeiro, durante as comemorações dos 20 anos do Telessaúde, em evento no Salão Nobre da Faculdade de Medicina.
O professor e ex-diretor do Hospital das Clínicas da UFMG explica que, desde o início, o objetivo era fazer a pesquisa junto com as demandas de saúde pública, para uma integração com o SUS. “Sempre tivemos alunos de pós-graduação envolvidos e publicamos nossos resultados para que pudéssemos trazer dados cientificamente relevantes. Nossa preocupação é gerar assistência, reduzir distâncias para pacientes, reduzir os custos com encaminhamentos e descolamentos para consultas em outros municípios, aumentar a qualidade e eficiência do serviço de saúde”, conta Tom Ribeiro.
O CTS também faz parte dos 50 anos da Fundep, que na sua vocação de apoiar as atividades de ensino, pesquisa e extensão da UFMG, foi a responsável pela gestão administrativo-financeira não apenas do primeiro contrato do programa com a Fapemig em 2005, como conduziu também outros projetos de expansão. Diversos financiadores investiram no programa, como Organização Pan-americana da Saúde (Opas), Children’s National Medical Center, World Heart Federation, Ministério da Saúde, além de governos municipal e estadual.
Desde 2018 são 10 diferentes projetos ativos, para os quais a Fundep adquire desde equipamentos para os exames, como materiais – seringas, bocais, filtros, entre outros – além de contratação de pessoal e pagamento de bolsas.
“A Fundep dá celeridade e dinamismo para a execução dos projetos, quando precisamos comprar equipamentos de grande porte e adquirir tecnologia robusta, por exemplo. É estratégico na parte de recursos humanos, porque nos permite fazer a contratação de equipe CLT especializada, buscando profissionais do mercado, além de nos dar autonomia de gestão”, destaca Maria Cristina, que há 9 anos atua no Telessaúde.
Desafios para garantir o futuro e a sustentabilidade do Telessaúde
Atualmente, o Telessaúde atua em três desafios imediatos para garantir a sua a sustentabilidade, de acordo com Tom Ribeiro. O primeiro, mapear alternativas para sustentar um orçamento alto independentemente de governos e orientações políticas. Hoje, o CTS depende de recursos oriundos de convênios e Termo de Execução Descentralizada (TED). O segundo, buscar formas de transferir sua tecnologia para a sociedade – universidades, empresas, startups etc.
Mas é o terceiro desafio que efetivamente pode dar perenidade à proposta: o desafio de garantir que as novas gerações se apropriem do projeto e deem sequência a ele no futuro. “Que eles continuem, melhorem ou ampliem o uso da tecnologia para humanizar a saúde. Temos muitos jovens professores atuando aqui, cada um mais competente e interessado que o outro”, reconhece Tom.
Um trabalho de tantos anos está alicerçado no investimento em tecnologia, em uma estrutura de colaboração em rede, em capital humano especializado, no apoio de financiadores, e, essencialmente, no compromisso com a democratização do acesso à saúde. “Não é exagero dizer que o Telessaúde mudou a nossa vida a forma de pensarmos em pesquisa, na universidade, na relação entre a universidade e o sistema público de saúde. Você consegue realizar projetos que mudam a história das pessoas, de uma comunidade, um estado, um país. É um esforço coletivo movido pela certeza de que você faz a diferença”, finaliza o professor.
Edição: Tacyana Arce
Edição web: Marcelo Cardoso


