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Uma parceria que navega longe

Desde 2007, Fundep e Marinha do Brasil unem expertises para impulsionar a ciência nacional nos oceanos e na Antártica.

Marcelo Cardoso

Em abril de 2025, representantes da Fundep visitaram as instalações dos centros de pesquisa
do Núcleo de Inovação Tecnológica da Marinha (NIT-MB). Foto: Divulgação/Fundep.

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A parceria entre a Fundação de Apoio da UFMG (Fundep) e a Marinha do Brasil alia a missão de fortalecer a presença científica nos mares brasileiros, a chamada Amazônia Azul, e gestão de excelência. Desde 2007, a Fundação apoia o Núcleo de Inovação Tecnológica da Marinha (NIT-MB), iniciativa que reúne centros estratégicos, como o Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM), o Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), o Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM) e o Centro de Análises de Sistemas Navais (Casnav).

A força do apoio é visível nos números: somente em 2024, a Fundep gerenciou 41 projetos vinculados à Marinha, somando quase R$ 24 milhões em recursos provenientes de instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais. Em 2023, foram ainda maiores: 45 projetos e mais de R$ 41,5 milhões mobilizados. Mas os dados contam apenas parte da história.

O diretor-executivo da Fundep, professor Márcio Ziviani, assinou o convênio de importação do Navio Oceanográfico Cruzeiro do Sul durante uma visita ao Centro de Hidrografia da Marinha (CHN), em Niterói/RJ. Foto: Arquivo/Fundep.

Dentre tantos projetos apoiados em quase 20 anos, destacam-se a aquisição e adequação de dois navios fundamentais para a pesquisa científica brasileira: o Navio Oceanográfico Cruzeiro do Sul, incorporado em 2008, e o Navio Polar Almirante Maximiano, em 2009.

Navio Oceanográfico Cruzeiro do Sul: um laboratório em alto-mar

O navio-laboratório Cruzeiro do Sul é considerado pela Marinha como uma das mais relevantes plataformas de pesquisa oceanográfica do país, reunindo esforços da comunidade científica para o desenvolvimento de conhecimento estratégico sobre os mares brasileiros. Sua aquisição e importação foram viabilizadas em 2007, em uma operação complexa que envolveu o gerenciamento de recursos superiores a US$ 12 milhões, provenientes da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Além de coordenar a compra do navio, a Fundep foi responsável pela importação e instalação de 90% dos equipamentos científicos e pelo treinamento da tripulação.

O Navio Cruzeiro do Sul tem 65,7 metros de comprimento, 11 metros de largura e afunda cerca de 4,7 metros na água quando está com carga normal — podendo chegar a 6 metros quando totalmente carregado. Foto: Divulgação/Marinha do Brasil.

O professor Márcio Ziviani, à época diretor-executivo da Fundep, relembra que os processos foram atravessados por uma burocracia densa e complexa. “Não apenas pela compra em si, mas, principalmente, pela infraestrutura necessária para transportar dezenas de militares aos países de origem dos navios e trazê-los de volta já embarcados. Estamos falando de mais de um mês de navegação, e todas as compras para a travessia — como mantimentos e combustível — tiveram que ser feitas ainda no exterior”, lembra.

Para chegar ao Brasil, o comandante Hilbert Strauss e sua tripulação navegaram 10.267 milhas náuticas (19 mil quilômetros) em 56 dias de mar, até que, em fevereiro de 2008, o Cruzeiro do Sul aportou no Rio de Janeiro e foi oficialmente incorporado à Marinha, sob operação do Centro de Hidrografia e Navegação (CHN).

Sua atuação contribui para o desenvolvimento de pesquisas, formulação de políticas públicas e defesa da Amazônia Azul e seus mais de 5,7 milhões de km² de águas jurisdicionais brasileiras. “Dedicamos, pelo menos, 80 dias por ano ao atendimento da comunidade científica, ao viabilizar a participação de pesquisadores, professores e estudantes em expedições de campo no ambiente marinho”, explica nota enviada pela Marinha ao Jornal da Fundep.

Um dos pontos mais relevantes de sua trajetória é a participação contínua no Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac), iniciativa do governo federal que define, com base no direito internacional, os limites externos da plataforma continental do Brasil além das 200 milhas náuticas previstas pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). “Esse processo é fundamental para que o país possa reivindicar direitos de soberania sobre os recursos minerais e biológicos existentes no leito e subsolo marinho dessas áreas”, relata a Marinha.

O histórico de expedições inclui as comissões Transatlântico I e II. A primeira, realizada entre outubro e dezembro de 2009, percorreu a bacia do Oceano Atlântico Sul entre o Rio de Janeiro e a África do Sul, com paradas na Namíbia. O objetivo foi coletar perfis transoceânicos de dados oceanográficos, ou seja, informações obtidas ao longo de trajetos que cruzam o oceano, para estudar formações e fenômenos característicos do ambiente marinho, como correntes, variações na temperatura e salinidade das massas d’água, além de aspectos que influenciam a propagação de ondas sonoras no meio aquático, o que é essencial para aplicações como a navegação, comunicação subaquática e mapeamento do fundo do mar. Já a segunda comissão, em 2011, contou com 26 pesquisadores e teve como foco o monitoramento de fluxos de CO₂ e a estrutura de comunidades fitoplanctônicas, apoiando projetos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Trecho da matéria publicada no jornal da Comissão Interministerial para os
Recursos do Mar (CIRM) sobre a Comissão Trans-Atlântico I. Extraído do Portal Períodicos/Marinha do Brasil.

Após a aquisição do Cruzeiro do Sul, a Fundep foi reconhecida pela Marinha, nas palavras de Ziviani, “pela excepcional qualidade pelos serviços prestados”. Esse reconhecimento foi decisivo para viabilizar a compra do navio polar e ampliou significativamente a atuação da fundação junto a outras instituições.

“Para as instituições federais, o nosso apoio foi especialmente relevante. Conseguimos estender nossa atuação às públicas muito mais do que às privadas — o que, na época, também refletia uma diretriz do nosso conselho curador, que priorizava esse fortalecimento”, completa Ziviani.

Navio Polar Almirante Maximiano fortalece a pesquisa brasileira na Antártica

 Almirante Maximiano tem 93,4 metros de comprimento, 13,4 metros de largura e afunda cerca
de 6,6 metros na água quando está com carga normal. Foto: Divulgação/Marinha do Brasil.

O Navio Polar Almirante Maximiano representa um avanço significativo no fortalecimento da presença científica e estratégica do Brasil na Antártica. A embarcação foi incorporada em fevereiro 2009 por meio de um convênio assinado no ano anterior entre a Marinha, a Finep e a Fundep. Além da aquisição, o projeto envolveu toda a reforma e atualização das instalações, que são providas de laboratórios e equipamentos de ponta, fazendo com que o navio se transformasse em uma plataforma de alto desempenho, capaz de operar em condições ambientais extremas.

Originalmente desenvolvido para atuar como um navio pesqueiro, a embarcação foi adaptada para receber cinco laboratórios de última geração, um convés de voo e hangar climatizado com capacidade para dois helicópteros, além da ampliação da capacidade de alojamento, que passou de 50 para 106 pessoas. Essa modernização conferiu ao navio a robustez e a infraestrutura necessárias para apoiar as pesquisas realizadas na Estação Antártica Comandante Ferraz e em diversas expedições científicas.

O “Tio Max”, como é chamado internamente, dedica-se anualmente a campanhas científicas que integram o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), com duração superior a 180 dias. Nessas missões, o navio viabiliza estudos em áreas como oceanografia física e química, biologia marinha, geociências, mudanças climáticas e biotecnologia, como relata, em nota, a Marinha: “A atuação do navio fortalece a cooperação científica e logística entre o Brasil e outras nações signatárias do Tratado da Antártica. Nossas missões conjuntas com Argentina, Chile, Estados Unidos, Alemanha e China promovem o intercâmbio de dados e o desenvolvimento conjunto de pesquisas estratégicas para o planeta”.

Entre as pesquisas conduzidas a bordo do Almirante Maximiano, estão o projeto Mediantar, que busca compreender as respostas fisiológicas aos desafios impostos na Antártica; o Mycoantar, que investiga a diversidade de fungos com foco na identificação de espécies com potencial para a produção de antibióticos; e o projeto Antropologia na Antártica, que reúne em um livro de mesmo nome estudos arqueológicos sobre a presença humana no continente gelado.

Além de apoiar pesquisas científicas, o navio Almirante Maximiano realiza levantamentos fundamentais para a atualização de cartas náuticas, garantindo a segurança da navegação e o planejamento das operações científicas no Oceano Austral. Integrado ao sistema global de observação oceânica da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI/UNESCO), o navio também contribui com dados organizados pelo Banco Nacional de Dados Oceanográficos (BNDO) e compartilhados internacionalmente, fortalecendo o conhecimento sobre mudanças climáticas e conservação marinha. 

O navio participa ainda de missões conjuntas com países como Argentina, Chile, Estados Unidos, Alemanha e China, promovendo intercâmbio de dados e integração de pesquisadores. As informações coletadas são compartilhadas com organizações como o Scientific Committee on Antarctic Research (SCAR), o Council of Managers of National Antarctic Programs (COMNAP) e a rede internacional IODE, ampliando a cooperação científica global e aprofundando os estudos sobre oceanografia, biodiversidade e o ambiente antártico. A embarcação é considerada pela Marinha um vetor indispensável da presença científica e diplomática brasileira no continente gelado, contribuindo para a segurança ambiental, o avanço tecnológico e o fortalecimento da soberania nacional nas regiões polares.

Apoio à Marinha estimula desenvolvimento de novas expertises

Além dos desafios logísticos enfrentados, os trâmites de importação dos dois navios exigiram soluções criativas e articulações inéditas, principalmente no processo do navio polar, como relembra Guilherme Matos, coordenador de Importação da Fundep: “Apesar de ter sido adquirido no exterior, o Cruzeiro do Sul foi equipado no Brasil. Já o Almirante Maximiano foi equipado ainda no exterior. A demanda foi tão singular que me recordo de ter ido a Niterói discutir com fiscais aduaneiros uma estratégia de desembaraço, já que não havia precedentes de processos com as características do projeto que estávamos executando”, relembra. 

Desde as aquisições, a parceria com a Fundep tem contribuído para a gestão financeira e operacional das adequações anuais dos navios, com foco em agilidade, transparência e flexibilidade na utilização de recursos públicos. A experiência acumulada ao longo de cinco décadas permite o direcionamento adequado dos esforços diante de novos desafios, além da aplicação de melhorias e aprendizados obtidos em projetos anteriores, inclusive os de menor complexidade. 

Essa atuação está diretamente ligada ao papel da Fundep como fundação de apoio à UFMG, especialmente em projetos voltados à pesquisa científica. Grazielle Naves, coordenadora da CIA ICTs Apoiadas da Fundep, destaca: “A Fundep compartilha com a universidade o compromisso de formar pessoas e promover o bem da sociedade. Ao apoiar iniciativas como os navios de pesquisa, contribuímos para que o conhecimento gerado pela UFMG e por outras instituições seja transformado em benefícios concretos para o país. São ações que, embora pouco visíveis para a população, têm impacto direto na soberania e no desenvolvimento nacional”.

Edição: Tacyana Arce
Edição web: Luiza Ferreira